sábado, 11 de março de 2006

Escrito por em 11.3.06 com 0 comentários

Olimpíadas (I)

Eu sou fanático por esportes. Embora não me anime a praticar nenhum com regularidade, assisto a qualquer um que esteja passando na TV. Menos golfe. Não que eu tenha algo contra golfe, até acho sua mecânica interessante, mas não tenho paciência para acompanhar uma partida que dura um dia inteiro e na qual eu mal consigo ver a bola. Pois bem, tirando golfe, e talvez rodeio, qualquer outro que esteja sendo televisionado está bom pra mim. Poucas coisas me são mais interessantes que um duelo esportivo.

Mas nem sempre foi assim. Até entrar na adolescência, eu gostava de Fórmula 1, e só. Torci pelo Brasil nas copas de 1986 e 1990, mas sem muito entusiasmo. Acho que meu fanatismo esportivo começou a aparecer na época das Olimpíadas de 1992, a primeira em que eu acompanhei a maioria das competições. Graças àquelas reportagens especiais que os jornais normalmente fazem nessas épocas, descobri as regras de um monte de esportes, e quis assisti-los para vê-las na prática. Acabei descobrindo que esportes eram muito mais divertidos de se acompanhar que novelas ou programas de auditório. Se hoje eu assisto de tênis a rugby, de beisebol à Copa da África, a culpa deve ter sido das Olimpíadas de 1992.

A essa altura todos já devem imaginar que o post de hoje fala sobre esportes. Contrariando o senso geral, porém, é um post sobre as Olimpíadas, não sobre a Copa do Mundo. E aí muitos devem estar se perguntando "por que este cara resolveu falar das Olimpíadas em ano de Copa do Mundo?". Bem, em primeiro lugar, eu até comecei a fazer um post sobre a Copa do Mundo, mas ficou meio sem graça, aí eu descartei. Em segundo lugar, sendo ano de Copa do Mundo, vocês vão achar uma série de reportagens sobre as Copas em tudo o que é lugar, não faria diferença mais uma aqui. E em terceiro lugar, eu ia escrever uma série de posts sobre as Olimpíadas logo após a de 2004, mas acontecimentos externos me impediram, e depois eu me desinteressei. Até mês passado, quando as Olimpíadas de Inverno me animaram a tentar mais uma vez.

De mais a mais, as Olimpíadas são uma celebração do esporte, possuem uma história interessantíssima, e são um assunto tão bom quanto qualquer outro. Preparem-se, portanto, para uma série interminável de posts sobre os Jogos Olímpicos - que serão devidamente postados intercalados com outros assuntos, para que ninguém fuja daqui e só volte no ano que vem!

Atenas 1896


A história dos Jogos Olímpicos começou na Antigüidade, quando povos de várias regiões próximas à Grécia se reuniam em Olímpia, de quatro em quatro anos, para celebrar suas vitórias, honrar os mortos, e praticar esportes. Com o domínio da Grécia pelo Império Romano, tais festivais foram suspensos por milhares de anos, até que, em 1875, foram encontradas as ruínas de Olímpia. Um francês, de nome Pierre de Fredi, conhecido como Barão de Coubertin, grande defensor do esporte como forma de união entre os povos, animou-se com a descoberta da descrição dos Jogos Olímpicos em discos de pedra, e decidiu ressuscitá-los. Durante anos ele tentou convencer atletas e empresários de que um evento esportivo mundial seria viável, mas só o conseguiu em 1894, durante um congresso na Sorbonne.

Após conseguir o apoio dos congressistas, Coubertin fundou o Comitê Olímpico Internacional (COI), e começou os preparativos para os Primeiros Jogos da Era Moderna. Seu plano era realizá-los em Paris, em 1900, limiar do novo século, quando haveria uma feira com participantes do mundo todo. Diante da possibilidade dos Jogos mixarem por todo mundo ter de esperar 6 anos, Coubertin acabou se rendendo à pressão dos congressistas para que os primeiros Jogos fossem realizados já em 1896, tempo mínimo para sua organização. O Barão então sugeriu Atenas, capital da Grécia, inventora dos Jogos originais, como sede, o que foi aceito de forma unânime. Mais do que isso, os Jogos ganharam o nome de Jogos Olímpicos, ou Olimpíadas, em homenagem à cidade de Olímpia, palco dos mais famosos Jogos da Antiguidade.

Toda a imprensa e o povo grego receberam com muito entusiasmo a notícia de que os Jogos voltariam à Grécia, mas o país à época estava passando por problemas financeiros seríssimos, e o Comitê Olímpico Grego, após consultar o exorbitante orçamento das obras necessárias, decidiu retirar sua candidatura. Inconformado com isto, o Príncipe Constantino decidiu ele mesmo assumir a organização, e começou uma campanha para arrecadar fundos e parcerias com ricos empresários. Como os gregos não tinham experiência em competições esportivas, o próprio Barão de Coubertin se encarregou de fazer o programa e convidar os atletas. Graças aos esforços do Príncipe e do Barão, tudo ficou pronto a tempo e, em 6 de abril de 1896, os Primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna foram oficialmente abertos pelo Rei Jorge I, após uma curta cerimônia onde foi tocado o Hino Olímpico, especialmente composto para a ocasião, e que continua sendo o hino oficial dos Jogos até hoje.

Os jogos de 1896 contaram com 245 atletas, que competiram em 43 provas de 9 esportes: atletismo, ciclismo, esgrima, ginástica artística, levantamento de peso, luta olímpica, natação, tênis e tiro esportivo (clique aqui para ver todas as provas do programa). Pode parecer pouco para os padrões de hoje, mas foi a maior competição esportiva da época. Como as viagens eram feitas de navio, a maioria dos atletas eram homens que estavam na Grécia por um motivo ou outro - os atletas britânicos, por exemplo, eram todos funcionários da embaixada. Os atletas que vieram de mais longe foram os norte-americanos, estudantes de Harvard e Princeton, que ainda por cima foram por conta própria, pois os EUA não tinham Comitê Olímpico. Por pouco o recorde de lonjura não ficou com a Austrália, já que o único atleta australiano a competir residia em Londres. Ao todo, 12 nações foram representadas em Atenas: Alemanha, Austrália, Dinamarca, Egito, Estados Unidos, França, Grécia, Império Austro-Húngaro, Itália, Reino Unido, Suécia e Suíça.

Também é importante frisar que todos os atletas que participaram das Olimpíadas eram amadores, com exceção dos esgrimistas. O Barão de Coubertin não aceitava a participação de profissionais, pois em sua concepção o esporte era feito para a integração dos povos, e não para se ganhar dinheiro. Durante quase 100 anos a participação dos profissionais foi proibida ou severamente limitada, e muitos atletas perderam suas medalhas por alegações de profissionalismo. Coubertin também era contra a participação de mulheres, que considerava inapropriadas à prática do esporte, então todos os atletas competindo em Atenas eram homens. Esta posição não perduraria, porém, e a Olimpíada seguinte já teria presença feminina.

O principal palco dos Jogos foi o Estádio Panathinaiko, todo em mármore, e construído graças à ajuda do empresário George Averoff, que depois até ganhou uma estátua no local. Lá se desenrolaram as competições do atletismo, mesmo com uma pista irregular, com 203 metros em subida, e curvas fechadas demais. Foi nas competições de atletismo que a maioria dos atletas estrangeiros competiu, e viu os norte-americanos ganharem 9 dos 12 primeiros lugares possíveis. Também chamaram a atenção as competições de natação, disputadas em mar aberto ao invés de em uma piscina, e as de luta, onde atletas de várias modalidades se enfrentaram, como por exemplo o campeão do levantamento de peso contra o campeão da ginástica.

O ponto alto dos Jogos foi a recém-criada competição da Maratona, em homenagem à lenda de Pheidippides, o soldado grego que teria corrido os 40 km entre Maratona e Atenas apenas para anunciar a vitória dos gregos sobre os persas. A maratona de 1896 aconteceu no exato mesmo percurso da lenda, com vários testes antes dos Jogos para saber se era uma prova viável - afinal, Pheidippides havia morrido de exaustão ao chegar em Atenas, e ninguém queria que isto se repetisse durante as Olimpíadas. Evidentemente, os gregos desejavam que um dos seus ganhasse a prova, então inscreveram 13 atletas, contra apenas 4 estrangeiros. Os estrangeiros pularam na frente após a largada, mas foram se cansando e abandonando ou ficando para trás. O vencedor da corrida foi realmente um grego, Spyridon Louis, um carteiro que fez todo o percurso acompanhado por seu cachorrinho vira-latas Zeus. Como prêmio, Louis ganhou uma taça de prata, uma ânfora de dois mil anos, e a mão da filha de George Averoff, que ele recusou educadamente. A Maratona também foi palco da primeira mamata olímpica, quando o italiano Carlo Airoldi, que não tinha dinheiro para pagar um navio, e foi a pé de Milão a Atenas, foi impedido de participar, pois os organizadores imaginaram que alguém capaz de suplantar tamanha distância iria vencer facilmente a prova, e isso não interessava aos gregos. Sem ter o que fazer na Grécia, Airoldi voltou para Milão - a pé.

No dia 15 de abril de 1896 foi realizada a cerimônia de encerramento, com um farto banquete para os atletas e organizadores. Durante este banquete foram distribuídas medalhas de prata para os vencedores, e de bronze para os vice-campeões. Após declarar os Jogos oficialmente encerrados, o Rei Jorge I manifestou seu desejo de que todos os Jogos fossem realizados em Atenas, de quatro em quatro anos. Este desejo até ganhou o apoio dos atletas norte-americanos, mas os planos de Coubertin eram outros. Ele realmente desejava fazer os Jogos de quatro em quatro anos, mas considerava o revezamento entre cidades indispensável para o sucesso da competição. Além disso, ele queria que os jogos de 1900 coincidissem com a Feira Mundial que ocorreria em Paris. E não devemos nos esquecer de que o Barão era francês, e ficaria felicíssimo com uma edição dos jogos em casa.

Paris 1900

Atualizado em 6 de julho de 2020

Desde que decidiu ressuscitar os Jogos Olímpicos, o Barão de Coubertin sonhava realizá-los em Paris, em 1900, durante a Feira Mundial que comemoraria a chegada de um novo século. Isto, porém, acabou se tornando uma coisa ruim para o desenrolar dos jogos. Devido à conexão com a feira, as Olimpíadas se arrastaram durante mais de cinco meses, de 14 de maio a 28 de outubro. Os jornais chamavam o evento de "Concurso Internacional de Exercícios Físicos e de Esportes", dando muito mais ênfase à Feira que aos Jogos, e muitos dos competidores sequer sabiam que estavam em um evento do mesmo porte do realizado quatro anos antes, devido às várias palestras, atividades artísticas e transações comerciais que ocorriam paralelamente às competições. Os organizadores da Feira não gostaram nem um pouco de ter que dividi-la com as competições esportivas, e fizeram um mirrado folheto de quatro páginas para divulgar os Jogos. Mais do que isso, a União Francesa das Sociedades de Esportes Atléticos anunciou publicamente que não precisava de uma entidade exterior - no caso, o COI - para organizar uma competição esportiva, o que deixou o Barão isolado e entristecido. Como não existia em Paris um complexo esportivo capaz de abrigar os Jogos, e ninguém se interessou em construir um, as competições ficaram muito distantes entre si, e a maioria do público só se dava conta de que iria assistir a uma competição esportiva quando esta começava.

Apesar de todos estes percalços, os Jogos de 1900 não foram um desastre completo. Participaram 1.225 atletas, representando 24 nações, e contando pela primeira vez com 16 mulheres entre os competidores. O número de provas aumentou para 94, e o de esportes para 20: atletismo, cabo de guerra, ciclismo, críquete, croquê, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, golfe, natação, pelota basca, polo, polo aquático, remo, rugby union, tênis, tiro com arco, tiro esportivo e vela (clique aqui para ver todas as provas do programa). Muitos dos atletas competiram em "times mistos", formados por atletas de diferentes nacionalidades, algo permitido na época para facilitar a inscrição.

Por causa da realização simultânea da Feira, várias outras competições esportivas seriam realizadas em paralelo com a Olimpíada, o que fez com que, até hoje, ninguém saiba de fato quais provas fizeram parte do programa olímpico e quais faziam parte da Feira. O COI jamais declarou oficialmente quais provas eram consideradas olímpicas, mas, após a criação de seu site oficial, que conta com o "banco de dados olímpico", uma espécie de lista de todos os medalhistas olímpicos da história, estudiosos e historiadores passaram a considerar que as provas nas quais esses atletas conquistaram suas medalhas foram as oficiais. Havia um problema, porém: para inserir os dados de 1900 no banco de dados olímpico, o COI usaria um documento supostamente criado em 1912 com os resultados de todas as Olimpíadas realizadas até então - só que a veracidade desse documento é contestada por muitos historiadores, inclusive por historiadores do próprio COI.

Em 2015, o historiador norte-americano Bill Mallon, considerado a maior autoridade mundial em história das Olimpíadas, publicou um artigo no qual estabeleceu quatro critérios para que uma prova esportiva realizada nas Olimpíadas de 1900 fosse considerada olímpica: todos os atletas participantes da prova deveriam ser amadores (pois, na época, somente amadores poderiam disputar os Jogos Olímpicos), a prova não poderia ter handicap (ou seja, uma "vantagem" para que os atletas considerados mais fracos pudessem competir em igualdade de condições com os considerados mais fortes), deveria ser aberta a todos os atletas (com todos os que se inscrevessem podendo participar, sem proibições arbitrárias) e deveria contar com a participação de atletas de mais de um país (pois, em muitas provas, todos os competidores eram franceses). "Aparentemente", o COI aceitou a sugestão de Mallon, e alterou seu banco de dados olímpico de acordo - "aparentemente" entre aspas porque ainda há algumas divergências: todos os participantes do croquê eram franceses, e todos os participantes da prova de pistola militar 20 m, do tiro esportivo, eram profissionais, e, mesmo assim, até hoje essas provas são consideradas como parte do programa oficial; por outro lado, há uma prova do tiro com arco e seis provas do balonismo que preenchem os quatro critérios estabelecidos por Mallon, mas, mesmo assim, não passaram a ser consideradas como parte do programa pelo COI. Além do balonismo, há registros de que outros onze esportes foram disputados durante as Olimpíadas de 1900, mas não são considerados hoje parte do programa olímpico, sendo que nenhuma de suas provas cumpre os quatro critérios: automobilismo, boules, corrida de pombos, disparo de canhão, luta contra o fogo, motociclismo, motonáutica, pesca esportiva, salvamento, tênis real e um torneio de pipas.

O maior destaque desta Olimpíada veio novamente do atletismo, o norte-americano Alvin Kraenzlein, ganhador do ouro nos 60 metros rasos, 100 metros rasos, 200 metros com barreiras e no salto em distância, um recorde de quatro ouros em uma mesma Olimpíada ainda não alcançado por outro competidor no atletismo. O atletismo, por sinal, foi disputado em um bosque em Boulogne, onde a pista era toda esburacada, com uma íngreme subida ao final, e com tantas árvores que os arremessadores foram seriamente prejudicados. Além das provas de atletismo no bosque, houve as provas de natação no Rio Sena, com uma correnteza tão forte que criou recordes mundiais praticamente imbatíveis, e levou o COI a estudar o uso de piscinas artificiais para as provas. No final, dos 390 recordes estabelecidos em Paris, apenas 88 foram homologados, devido às condições - adversas ou favoráveis - em que as provas foram realizadas.

A Maratona foi alvo de um intenso protesto: oficialmente, a prova foi vencida pelo francês Michel Théato, um padeiro de 23 anos. O norte-americano Arthur Newton, ao chegar ao estádio, porém, considerava-se o vencedor, até descobrir que Théato havia chegado mais de uma hora antes. Newton e outros dois norte-americanos então alegaram que Théato e o competidor que chegou em segundo lugar, também francês, não haviam passado por eles durante a prova, que provavelmente tinham pego um atalho no meio do caminho, e que, ainda por cima, eram os únicos competidores que não estavam sujos de lama. Théato, além de tudo, havia nascido em Luxemburgo, e os franceses não tinham nada que estar comemorando sua vitória. Com vergonha, o COI não homologou os resultados na hora, só confirmando o resultado oficial e entregando a medalha de Théato doze anos depois. Até hoje, porém, nos EUA se considera que houve trapaça.

A final do rugby, entre França e Alemanha, foi disputadíssima, como se os dois países pudessem resolver a disputa pela região da Alsácia-Lorena em campo. E a inglesa Charlotte Cooper se tornou a primeira mulher Campeã Olímpica ao vencer os torneios de simples e de duplas mistas do tênis, mesmo sob protestos de Coubertin, que não aprovava a participação de mulheres. Mais uma vez, os campeões ganharam medalhas de prata, e os vice-campeões de bronze, desta vez em cerimônias de premiação individuais, pois esta Olimpíada não teve cerimônia de abertura nem de encerramento.

Apesar da falta de organização e do relativo fracasso de público, o Barão de Coubertin insistiu em seu sonho olímpico, e estava disposto a realizar a terceira Olimpíada nos Estados Unidos. Mas isso fica para o próximo post.

Série Olimpíadas

Atenas 1896
Paris 1900

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